10 de dez. de 2015

2 de ago. de 2015

Voar

 Louis Faurer

O vento na sacada.
O vento na sacada.
Abre a janela, e o vento na sacada bate. O vento bate, mas o ar é pouco.
É preciso respirar.
—Preciso respirar.

Não quero toques, nem proximidade. Só quero liberdade de espaço, flutuar e planar, sem sair do lugar. Já me acostumei com a ideia, já estou aprendendo a aceitar. Só estou... aprendendo a aceitar. E vai demorar, mas Ó Deus, como queria parar de sonhar. Os sonhos e esperanças são os mais terríveis, são ilusões iludidas e quanto mais esperança há, menos esperança tenho. Ó Deus, só queria deixar de sentir. De sonhar.

Cansaço do espaço, um desejo de momento no espaço vácuo, cubo aberto, cubo vazio. Um espaço sem espaço, sem toques, nem proximidade. Só planar, só flutuar, sem toques e retoques. Uma reflexão. Mas é preciso ser sagrada, segura e no templo que é o próprio corpo. Sozinho, um momento de reflexão. Sem medo do entorno, sem medo de contato. O mundo externo machuca, é cruel. Dá sede. Muita sede.

—Eu só preciso respirar.
O ar não chega aos pulmões. E o medo do futuro, é o medo do desconhecido, medo do esperar, medo da ansiedade, e a falta de ar... Preciso respirar.
Um momento de reflexão para desejar sem limites.
—O que mais quero é....
No momento voar um pouco. Depois, um frio aconchegante. Uma organização metódica. Um cabelo preso. Um momento sem temer. Um momento sem se arrepender. Sem se lamentar, ou temer precisar fazê-lo. Um momento certo, de coisas certas, feitas corretamente. Um momento de certeza de estar na estrada correta, e um momento de certeza de que há motivo para tal.
Mas não há vento na sacada.
Sequer há uma sacada.
Sequer posso voar.



Lady Viana

24 de jul. de 2015

Feminista? (por Carol Rezende)

Excelente texto por Carol Rezende do blog Five Clothes sobre o movimento feminista no dia-a-dia.




***



Feminista?



Sim, sim, sim e outras dez mil vezes sim. Esse assunto tem me incomodado muito ultimamente e eu preciso falar.
Sou feminista sim, e não (!) odeio os homens, afinal eu tenho um pai maravilhoso, um irmão, amigos e um namorado. Não quero extirpar o sexo masculino da face da terra nem fazer dos moços meus escravos, tá claro agora? Ok.
Eu sou feminista porque o feminismo me liberta.
Porque eu tenho o direito de colocar a roupa que eu quiser, passar ou não a maquiagem que eu quiser. Porque eu não sou o sexo frágil  nem a donzela em perigo e eu não precisaria de proteção se todos entendessem que o meu corpo é unica e exclusivamente meu e eu faço dele o que eu bem entender.
Eu sou feminista porque não quero ser julgada menos capaz e menos inteligente, mais fraca, ou um objeto, só por ter nascido mulher. Porque quero trabalhar e ganhar o merecido, não menos por que pode ser que algum dia eu saia de licença maternidade. Sou feminista porque não aceito ordem de marmanjo nenhum e nem vou.
Porque to cansada de ter que colocar um shorts por baixo da saia quando ando de metrô. Não sou maluca que não gosta de elogio. Gosto sim! Mas de elogio que é elogio de verdade.
Quando elogiam um bom trabalho, meu esforço, eu aceito sim e muito feliz,mas não sou obrigada a aceitar um “gostooooosa” de um desconhecido.Não passo a mão no corpo de ninguém, e não quero que passem no meu. 
Sou feminista porque eu posso pagar a minha própria conta, e pago. Pago a de quem precisar que eu pague também, e se eu precisar que paguem pra mim, eu deixo pagarem.
Sou feminista porque não é xingamento chamar alguém de mulherzinha, porque homem que é homem chora sim se sentir vontade. Porque ele pode querer desistir do trabalho e cuidar dos filhos e ela também, mas não precisa.
Porque eu quero ter o direito de escolher se quero casar, se quero ter filhos. Porque eu não quero mais preconceitos e padrões de conduta determinados, porque eu quero ter o controle da minha própria vida.
Sou feminista por todas as outras centenas de injustiças que o machismo provoca e que não citei aqui, por todas as mulheres que sofrem violência, seja ela física ou moral, por todas as meninas que se sentem mal por não serem ou por não quererem ser o que todos esperam delas.
Sou feminista porque as mulheres são livres e elas tem que saber disso.
Não é meu sexo que coloca minhas limitações, nem a de mulher nenhuma. Não é um cara, nem o peso de uma sociedade toda que vai me fazer ficar quieta e aceitar tudo isso.
Eu tenho capacidade de fazer minhas escolhas, tenho direito a liberdade. 
Tá na hora de vocês aceitarem isso.



29 de jun. de 2015

"Admirável Mundo... Velho" por Mendes Viana


Mary Ellen Mark


Não sou um leitor ávido.
Tampouco tenho memória de elefante.
Mas algumas coisas em minhas experiências se destacam contra a minha vontade de esquecê-las.

Eis um livro detestável. Admirável Mundo Novo. Não o apreciei quando li, e sequer reli. Mas, como um infortúnio do destino, deparei-me com ele e suas histórias advindas no decorrer dos tempos. Uma coisa se destaca: uma personagem diferente dos outros. Não escondo, o final da história é um “quê” para mim, uma vez que o encerramento não passa pela minha cabeça (nem lembro do enredo).
Esse texto é um cheio de nãos.
Lembro-me, vagamente, de um personagem oposto ao coletivo, um atentado ao pudor – ou contra-pudor, quisera eu entender a história. E Huxley descreve, em seu livro, uma sociedade movida praticamente por instintos animais que, ironicamente, ignora o mundo ao redor de seu pequeno, porém amplo mundo.
Comecemos a esclarecer.
Um social tão voltado a seus lugares, que sequer considerou sair deles. E um indivíduo com defeito de fábrica ousa pensar diferente.
Basta de paráfrases, contento-me em pensar nos tempos atuais. Admiro-me com um oposto tão Caravaggio, tão chiaro-scuro dos tempos atuais – e tempos que nunca mudam, afinal.
Numa grande avenida, indivíduos caminham em prol da liberdade e igualdade – quase uma revolução francesa, porém voltada à revolução de gêneros. E, nesta mesma larga avenida, outdoors objetificando – e aqui, procuro cautela para não cair no senso comum – seres humanos em prol, por sua vez, de lucros. Profits. E pergunto-me, ingenuamente, quando foi que o ser humano passou a se vender e a seus vizinhos.
Descobri recentemente – e recentemente demais, diga-se de passagem – que um grande incitador do movimento “feminista” – temo em usar tais palavras, pois podem ser distorcidas. Mas prossigo; um grande incitador do movimento “feminista” na América foi a revista Ms. Uma revista criada por mulheres, naturalmente; porém mulheres que não se encaixavam em lugar algum. E a importância da revista é tão simples, porém tão grandiosa, que surpreendo-me de quando em vez comigo mesma ao perceber tal significância.
Traduzindo; a revista nada mais fez que denunciou. Informou. A revista mostrou às mulheres que a liam, e até mesmo às que não a liam, que a realidade era outra, diferente da que era idealizada e proposta, desde os anúncios até a televisão.
O mundo é tão hipócrita que fecha os olhos para si mesmo. O mundo é preguiçoso, teme ter que fazer algo. Pode se remoer por dento, pode ter pena, pode ter compaixão; mas não se move momento algum para mudar (se).
A moda faz-me rir.
Mac Adams

Tantos outros deixaram sua marca na história por fazerem algo diferente, e logo hoje, o século da liberdade e inovação, vejo que suas criações não passam de papéis ao vento.
A desilusão é grande nesse mundo para os que querem saber mais. Feche os olhos, eu aviso, feche antes que não o possa mais fazer.
Porque para cada grande homem ou mulher que é idolatrado, há o seu lado mais obscuro que poucos têm a coragem de mostrar.
Qual foi a minha surpresa, portanto, quando descobri estilistas envolvidos com o nazi-fascismo, extermínio de animais, escravidão e etnocentrismos? Encostei-me numa parede pois senti que não tinha chão. Os apoios estavam sumindo, e tudo em que eu acreditava evanesceu.
Para os que ainda estão encostados em paredes feitas de carne humana forradas com ouro e cobertas de diamantes e escritos, sugiro apenas que estude, pesquise, vá além. Porque, nos anos 70, as jornalistas da revista Ms. procuravam denunciar a realidade cruel e exploradora das mulheres em suas próprias casas; os poetas do meio do século XIX procuravam denunciar a escravidão; Galileu procurou denunciar a cegueira humana à humanidade (e acabou preso por tentar fazê-lo). Todos foram julgados, condenados. Porque o resto estava cego.
Você, que é jovem e o contrário de ingênuo, não seja cego. Você sabe que tem algo mais. Você sabe que tem algo escondido. Esse mundo é tão perfeito! É mesmo?
Garanto que se procurar saber mais, e acabar se desiludindo, quem vai sair perdendo não será você. Esse mundo fútil e insensível é que vai – vai perder um cordeiro e ganhar um lobo. Lobo esse que reconhece que a moda já foi, e não mais é, um painel de artes; belas-artes; a Arte, em si. Pois se há arte mais antiga que possa ser datada, citemos a moda. Caso não saiba mais definir “Moda”, não tema. Está correto.
Essas paredes podem ser derrubadas; e ao contrário da lógica, quanto mais paredes forem derrubadas, mais lares serão criados.





Por Mendes Viana.